Assassin's Creed III: Liberation

Unknown | 17:01 | 0 comentários




O spin-off de Assassin's Creed III traz bastante conceitos novos ao PlayStation Vita. É em Liberation que a Ubisoft teve a oportunidade de criar uma versão portátil da série que faça jus ao que é feito nos consoles há anos, após o fraquíssimo Bloodlines e os numerosos títulos para smartphones. O plano é ousado: uma mulher negra no papel principal. Além de Urban Chaos, poucos títulos se arriscaram por esse cenário, o que chega a ser absurdo, já que protagonistas mulheres não deviam mais ser novidades para ninguém, muito menos ganharem destaques por seu tom de pele, mas Liberation explora a temática com sensibilidade e sem esconder as problemáticas por trás da posição da moça.


O combate não é o maior foco do enredo de Aveline. Os inimigos aparecem em quantidades menores e o combate é simplificado a um botão de ataque, outro de contra ataque, um de chute e um para longas distâncias
A história de Aveline de Grandpré começa sem rodeio, sem perda de tempo, sem metalinguagem. Em Liberation, os jogadores irão testar uma propaganda da Abstergo, organização templária que dá tom ao conflito secular da série - muito da história "real" contada durante o jogo é manipulada, distorcida, tudo em prol da retratação dos templários como bonzinhos. É a visão corrupta sobre como a expansão do capitalismo e o declínio da escravidão tiveram início, com acontecimentos mais ao sul das cidades que servem como pano de fundo para as aventuras de Connor.

Lady Liberty

Aveline, assim como Connor, Ezio e Altair, possui o sexto sentido conhecido como Eagle's Vision dentro do folclore de Assassin's Creed. A história da assassina, porém, não é explorada a exaustão durante o enredo de Liberation. A moça é filha de um rico mercador francês, casado com uma escrava africana recém-liberta, que sumiu aos olhos de Aveline, durante uma feira de venda de humanos. A mistura genética da protagonista a encaixa em uma posição semelhante à de Connor, mas o ponto de vista é mais socioeconômico do que o irmão mais velho de Liberation nos consoles. A motivação principal de Aveline, a razão pela qual a garota busca a verdade, é o nojo que ela sente ao perceber os extremismos da sociedade, entre os pobres e os ricos, entre os trabalhadores escravos e o resto da população.



As ruas estreitas e populosas do mapa de Nova Orleans permitem que a jogabilidade clássica da série se encaixe bem no portátil. Ao apertar o botão direito do Vita, os jogadores podem começar a escalar prédios, pular de telhados para telhados, fugir por árvores e presenciar todo o parkour clássico da franquia. Em outro mapa, um pântano quase surreal entra em voga, em um cenário que traduz os "bayous" típicos do estado de Lousiana. É algo semelhante aos manguezais, que atuam como uma transição entre os ambientes terrestres e marinhos. Os tons verdes e as construções com cara de ruínas, aliadas a forte simbologia voodoo de elementos espalhados pelo cenário, deixam bem claro que a raíz africana de Aveline mora por aqui. Por último, a protagonista poderá explorar a cidade maia de Chichén Itzá, no México, casa de uma comunidade escrava supostamente livre. Neste trecho, faço questão de não entrar em spoilers: é aqui que a Aveline topa com as cenas mais grandiosas e divertidas do jogo, que se liberta de muitas das amarras que deixam a experiência single-player menos confortável do que devia ser, sem pretensão alguma.

A transição dos gráficos pomposos dos consoles para o Vita prefere optar pela qualidade no lugar de quantidade. Os mapas são menores, mas são variados e não soam repetitivos. Os cenários, recheados de árvores, prédios e afins, soam orgânicos graças a escolha. Por consequência, a quantidade de colecionáveis e tesouros espalhados pelo mapa também diminui, mas a escolha ajuda na direção, que parece mais centrada e focada do que as versões para consoles. Particularmente, meu problema com títulos open-world sempre foi a direção quase nula em certos pontos, algo inevitável, e Liberation não traz o incômodo para o portátil. As funcionalidades do Vita, raramente exploradas da maneira correta, são o ponto fraco da versão.

Assim como a Sony Bend fez com Uncharted: Golden Abyss, a Ubisoft Sofia inventou algumas mecânicas desengonçadas para as telas sensíveis ao toque do PlayStation Vita. Abrir cartas utilizando as duas telas, simulando a abertura de um envelope e (esta, com certeza, a pior) a "identificação" de segredos ao apontar as cartas para um foco de luz, soam desnecessárias e estão presentes no jogo sabe-se lá por qual motivo. Algo semelhante acontece com o modo online. O sistema utiliza uma mecânica de batalha por cartas, semelhante à Risk. Demora um tempo para entender o funcionamento, já que o jogo não faz questão alguma de introduzir certos elementos e não é nada parecido com o que dá as caras nos consoles.



A motivação principal de Aveline, a razão pela qual a garota busca a verdade, é o nojo que ela sente ao perceber os extremismos da sociedade
Em muito dos trechos, especialmente os que se passam em Nova Orleans, cidade que funciona como ponto principal no enredo, a busca pela liberdade alheia perseguida por Aveline topa com o conflito entre os assassinos e os templários. A confusão proporcionada pela retratação virtual "distorcida" da Abstergo ganha um elemento a mais, com o desenvolvimento do Citizen E, uma espécie de Deus ex machina encaixado no enredo da maneira clássica, desemaranhando a narração nebulosa. Os jogadores precisam encontrar esses cidadãos, que fornecem informações adicionais e verdadeiras a certos pontos do enredo ao serem assassinados, mas todo o processo é um pouco mais trabalhoso do que deveria. Não é um simples colecionável e não está sempre marcado no mapa, é preciso ficar rodando por aí até encontrar as tais pessoas.

O combate não é o maior foco do enredo de Aveline. Os inimigos aparecem em quantidades menores e o combate é simplificado a um botão de ataque, outro de contra ataque, um de chute e um para longas distâncias. A aproximação stealth está presente nos combates, como de praxe, mas com uma mudança interessante aos olhos de quem sempre acompanhou um moço vestido de branco correndo por aí: Aveline pode se disfarçar em Liberation. A protagonista possui três personas diferentes, que podem ser acessadas de pontos específicos do cenário e permitem diversas abordagens as missões. A mecânica é introduzida de maneira bem linear no início do título, mas não demora para que os jogadores possam escolher como preferem realizar os objetivos do jogo.

A moça pode entrar na pele de uma escrava, de uma dama e de uma assassina. Na pele de dama, Aveline perde a habilidade de sair correndo pelos cenários, mas demora a ganhar notoriedade e pode entrar tranquilamente em diversos cenários. Durante os trechos em que está vestida de acordo com as regras de alta-sociedade, é possível perceber todo o processo de adaptação de Aveline no mundo. Em um baile, em específico, escutei uma mocinha se referindo a protagonista de maneira pejorativa, dizendo frases que expressavam todo seu desprezo pela posição ocupada por Aveline. A arte do assassinato na roupa de dama fica por conta de uma zarabatana em formato de guarda-chuva e da habilidade de encantar diversos personagens (de maneira bem canastrona), o que permite que Aveline os leve para cantos isolados e os mate discretamente. Já vestida como escrava, Aveline ganha o privilégio de se movimentar livremente pelos cenários, mas acumula notoriedade de maneira muito fácil e é repreendida por guardas quase constantemente. Para se misturar nos cenários, basta interagir com um grupo varrendo o chão ou trabalhando em mercenarias. Por fim, as vantagens de agir como assassina incluem acesso ao arsenal completo de armas de Aveline.

Assassinatos na palma da mão



Por mais que a história cheia de mistérios, reviravoltas e surpresas consigam segurar até os menos interessados na franquia, Liberation escorrega em diversos momentos. O título chegou ao PlayStation Vita no mercado norte-americano ao lado de Assassin's Creed III, mas a impressão que fica é que nenhum dos dois estava realmente pronto para a data marcada tão estritamente pela Ubisoft. Entre bugs e sequências um tanto quanto apressadas, especialmente no final da história, a jogabilidade consegue surpreender com a quantidade de falhas que fazem os jogadores terem de reiniciar o sistema. Utilizar os dardos lançados pelo guarda-chuva de Aveline é quase infernal, já que é bem provável que a moça simplesmente trave e não se mexa mais após a ação, entre outra extensa listas de travadinhas e complicações na mecânica.

No final do dia, Liberation é a primeira versão portátil fiél a franquia. O jogo possui seus diversos defeitos, mas o trunfo de possuir Aveline, uma protagonista carismática, sinceramente motivada e com uma história forte por trás, faz com que o título entre para a lista de obrigações de qualquer fã de Assassin's Creed ou até os donos de Vita prontos para curtir algo nos moldes de Uncharted, mas com uma mudança de cenário.

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