The Unfinished Swan

Unknown | 15:44 | 0 comentários




O PS3 é a plataforma do ano para mim. 

Entre Journey, Sound Shapes, Tokyo Jungle e Dyad (talvez eu deva inserir Papo & Yo aqui?), os exclusivos do console da Sony fizeram da minha vida algo muito melhor em 2012. Há quem diga que os AAAs da vida andam decepcionando ultimamente, mas o mundo das pequenas grandes produções anda mais próspero do que nunca. E para fechar com chave de ouro essa bateria de títulos independentes de qualidade, somos agraciados com o charmoso e peculiar The Unfinished Swan. Trata-se do debut da pequena produtora Giant Sparrow, que tem como mote fazer do mundo um lugar mais estranho. E eu apoio essa causa.
 
Uma tela branca. Um pontinho no meio desta tela branca. Bolas de tinta preta. A capacidade de arremessá-las.
Tive a oportunidade de curtir The Unfinished Swan na BGS desse ano e me deparei com algo sem precedentes: um cenário todo branco (fiquei alguns minutos parado, pensando: “será que deu pau?”) e tudo que é possível fazer é arremessar bolas de tinta preta a esmo para assim “enxergar” o cenário e descobrir o caminho. Nunca havia me deparado com nada assim antes e aposto que você também não.

Joguei a demo uma três vezes e fiquei maravilhado com as possibilidades de uma premissa tão simples. Cada vez que começava uma nova partida, via o cenário se pintar diante dos meus olhos de uma maneira diferente, já que a textura criada com a explosão de tinta na parede, chão, banco, mureta, bambuzal e etc destoava tanto umas das outras que, além de fazer com que me sentisse um artista-minimalista-monocromático, renovava a experiência. Mal sabia que aquilo tudo era só o começo de uma aventura mágica e inesquecível, com uma poderosa narrativa dentro de diversos sistemas distintos de controles.

Monroe, o menino incompleto



The Unfinished Swan se apresenta como um livro de história infantojuvenil, desses bem Série Bruxinha ou aquelas edições mais garbosas dos Irmãos Grimm. Na trama, vivemos Monroe, um órfão que, ao perder a mãe (que nunca conseguiu terminar uma pintura sequer, de centenas), herda, a mando do orfanato onde vive, apenas uma pintura. Monroe escolhe aquele que era o preferido de sua progenitora, o cisne incompleto do título. Numa noite, o garoto acorda de súbito e percebe que a ave fugira do quadro, passando por uma porta que não havia visto antes, deixando para trás pegadas douradas misteriosas. Assim, Monroe embarca em seu buraco de coelho particular (ou seria portinhola de Fauno?), entrando em um mundo fantástico e onírico, domínio de um rei egocêntrico e tirano, mas com um gosto muito refinado para arte.

Assim, The Unifinished Swan apresenta sua simples, porém ricamente explorada, narrativa. Narrativa esta que se equipara em poderio a um filme de Wes Anderson: sensível e precisa enquanto simples, de forma quase evidente, dada tamanha identidade. Numa perspectiva em primeira pessoa, o jogador explora mundos inicialmente sem cor e que, aos poucos, vão tomando forma e completude. Páginas do livro são encontradas espalhadas por três de quatro capítulos que totalizam o jogo, sempre com uma arte simples e uma narração prazerosa de se ouvir, a qual me fez lembrar aquela professora querida e entusiasmada do jardim de infância.


A história de Monroe não é desassociável de mistérios como a de Journey, por exemplo, mas sim de deslumbre e fascínio. Tudo é explicado – muito bem explicado, ressalto – e o poder do desfecho se apresenta de maneira mais convencional, mais comum de vermos nesse tipo de mídia. Na verdade, só mesmo videogames são capazes de transmitir emoções de forma tão intensa, afinal, estamos sob controle da situação, onde a interação é o fator primordial nessa busca-alcance de significado. Mesmo breve, as nuances da história de The Unfinished Swan são tão prazerosas de se acompanhar, tão bem divididas em atos conhecidos pela literatura, que é desafio dos mais pesarosos não concluir o jogo ao iniciá-lo.

No entanto, a trama deliciosa não é o prato principal deste banquete farto e tão, tão peculiar.


Splat, splat, splat!



Você fará coisas aqui que nunca fez antes em um videogame, e por mais que isso possa estar associado a uma perspectiva tão recorrente – a primeira pessoa – é tudo muito novo e deslumbrante.

Uma tela branca. Um pontinho no meio desta tela branca. Bolas de tinta preta. A capacidade de arremessá-las. E assim se cria um jogo. A princípio, sem mesmo ter ciência de que o R1 vai fazer Monroe sujar o mundo branco que o cerca, uma das características mais apuradas de The Unfinished Swan se faz presente: seus efeitos sonoros. Barulhos de passos variantes a cada superfície, os sons ambientes de vento, água corrente, animais e demais elementos dos cenários são uma arma poderosa na exploração de um cenário que não existe até a intervenção do jogador.

Mãos dadas a tais possibilidades está a maravilhosa trilha sonora, que varia de tom e intensidade, indo de algo que lembra Chopin, com cordas rápidas, nervosas e outras suaves, a uma tonalidade mais contemporânea, que pode perfeitamente ser associada a Kid A, do Radiohead. As faixas de The Unfinished Swan são parte integrante da obra como um todo, nunca se desassociando da temática e narrativa. São frações de um todo.

A perspectiva em primeira pessoa faz de quem controla Monroe testemunha ocular da bagunça que será criada nas terras imaculadas do rei tirano. O que antes era branco passa a se tornar uma textura de tinta preta que, no perímetro do objeto e de uma forma tão aleatória que assusta, cria sua própria paisagem. A noção de profundidade também se dá desta maneira, pois o caminho entre duas paredes pode vir a ser notado pela bola que adentrou uma fissura e explodiu no chão, sujando tudo ao seu redor.




As possibilidades de criação são tão numerosas quanto os diferentes respingos e suas respectivas “criaturas”. Enquanto caminha e se diverte realizando traquinagens, fazendo com que uma paisagem bucólica crie vida de forma preto no branco, Monroe deve perseguir seu alvo de início, o cisne com parte do pescoço faltando. Sua paisagem nunca será como a minha, basta olhar para trás ao se aprofundar nos cenários. Você terá orgulho de sua obra (e terá vontade de assistir Sin City mais um vez, só que ignorando a violência e se preocupando com o trabalho de sombras e constrastes).

O cisne incita a curiosidade do garoto, sempre o levando para o próximo cenário, a próxima descoberta. Aliado aos efeitos sonoros está o deslumbre do garoto, se mostrando mais que uma mera “câmera controlável” e reagindo de acordo com o que acontece à sua volta: uma criatura que surge na água gerará um misto de medo e fascinação, culminando num “wow” muito bem encaixado.

Há muito mais dentro dessa minimalista proposta de The Unfinished Swan, em que os controles tomam guinadas que fazem jus à genialidade encontrada a princípio. Faz parte da narrativa do jogo tais descobertas, então não estragarei as surpresas, me limitando a enfatizar que há diferenciações incríveis dentro de sistemas incríveis. Dentro da própria temática que o jogo parece se inserir – a da incompletude do todo (se é que isso existe) – o quão breve todas as sequências são servem para instigar muito mais do que satisfazer, e acho isso excelente, pois sempre há a possibilidade de releitura. Muitas obras funcionam muito melhor em sua terceira, quarta, quinta abordagem, e numa delas você pode sempre encontrar uma maravilhosa homenagem à Journey.

Bexigas, mangueiras e snipers



Para se adequar melhor à categoria “jogo de videogame”, The Unfinished Swan traz colecionáveis que fazem da revisitação algo mais prazeroso para os, digamos, materialistas. Espalhados pelos cenários estão bexigas que, quando coletadas, podem ser trocadas por brinquedos (como o jogo mesmo se refere). Dos mais úteis é um radar que indica a aproximação de bexigas mais escondidas (e, acredite, algumas estão muito bem escondidas), e outros vão da possibilidade de escolhermos qual trecho do história jogar, a capacidade de paralisar diversas bolas de tinta no ar só pelo prazer de zonear o cenário de forma mais eficiente e desbloquear galerias de arte.

Na verdade, só mesmo videogames são capazes de transmitir emoções de forma tão intensa.

Como se trata de um jogo bastante artístico e sem pretensão nenhuma com desafios típicos da mídia, o que de obstáculo The Unfinished Swan impõe ao jogador se limita a quebra-cabeças de fácil resolução, que focam mais na mecânica bem construída do que em uma dificuldade acentuada. Conforme a trama se desenrola, aliados e inimigos são encontrados, mas tudo é sempre particular o bastante para impedir associações externas. Você fará coisas aqui que nunca fez antes em um videogame, e por mais que isso possa estar associado a uma perspectiva tão recorrente – a primeira pessoa – é tudo muito novo e deslumbrante.

A experiência que The Unfinished Swan proporciona é daquelas que devem ser vividas. Caso acompanhe meus últimos textos tratando de obras desse tipo, você pode até pensar que estou sendo redundante dentro dessa retórica de “único, peculiar” e coisas do tipo, mas o que posso fazer? É sincero! A história de Monroe é original e tem que se destacar em meio ao emergente mercado no qual se encontra. Imagine você como deve ser difícil para um novo IP, uma nova franquia, vir ao mundo, se sobressair perante o resto e fazer o mínimo sucesso para continuar vivo. Só espero que a Giant Sparrow consiga o resultado esperado para continuar essa linha de raciocínio, trazendo estranhezas para um mundo tão cheio de gente tentando ser diferente uns dos outros que, no final, acabam sendo sempre iguais.

Category:

0 comentários